segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Tesouros bem guardados

Fomos ao teatro numa viagem especial.

E esta viagem levou-me a outras viagens, às da minha memória, ao meu tempo de menina, numa espécie de máquina do tempo em imagens, sabores e cheiros.


Do lado materno:
O azeiteiro que aparecia à porta da casa a buzinar
A ida à missa primeira com a minha avó Cila, a pé, ainda com o orvalho da manhã
Os bolinhos de arroz com salsicha
O pão torrado no forno a lenha barradinho com planta
A senhora com o peixe à cabeça: "Cila queres sardinha?" e que eu costumava imitar
Tomar banho no tanque
As coleções das caricas do frisumo
Esperar por garrafas vazias de vinagre para ir atirar água aos carros que passavam (ou obrigar a avó Cila a desencantar outro recipiente para pôr o vinagre e libertar as garrafas)
Ir buscar água à fonte
O maravilhoso pão com ovo estrelado e açucar
Fazer comidas com o que havia no quintal, couves e terra dava um ótimo caldo verde imaginário
Aprender a tricotar
As ervilhas de cheiro
Os amores perfeitos
Ficar à janela a ver os mascarados do entrudo a passar.
Dar comida aos coelhos
Brincadeiras e arrufos de primos
As pratas de chocolate que o meu avô Berto comprava, coloridas, com caravelas que eram retiradas meticulosamente para não rasgarem e colocadas dentro de livros lisinhas.
A ida ao quelhas ou à Ti Canda para as compras
Ir apanhar lenha e cada um ter o seu próprio feixe e levá-lo à cabeça
A expressão da minha avó "Muito riso pouco juízo"
A lenga lenga que o meu avô fazia nos dedos das mãos: "Pico pico sarapico...."
A roupa a corar
As peles dos coelhos transformadas em tapetes
Atirar caroços de fruta para o quintal, que deram árvores anos depois!
Adorava ver a minha avó a escovar o cabelo prateado e a fazer o puxo rematado com um gancho.
O meu avô usava chapéu sempre que saía de casa
Vestia sempre roupa quente mesmo sendo verão
Para estes avós era (e sou para a minha avó) a Cláudinha


Do lado paterno:
O cheiro a graxa quando o meu avô Domingos concertava sapatos
O meu avô a fazer a barba no fundo de corredor.
Os assados no forno da avó Lídia.
O arroz na púcara com cebola
A lareira
A minha avó chouriça, porque era assim que o meu avô a chamava
A minha avó a chamar o meu avó para a mesa quando ainda nem tinha posto o arroz a cozer
As conversas dos crescidos à lareira
As anedotas do meu avô
As pinhas a abrir em frente à lareira na noite de Natal e comer os pinhões ainda mornos
O tacho de ferro preto a cozer o bacalhau na lareira
As prendas nas botas na manhã do dia 25
Os pintaínhos em caixas com lâmpadas para terem calor
Depenar codornizes
Lavar roupa no tanque
Ouvir o sino da igreja de quarto em quarto de hora
Os meus tios quase da minha idade
As compras no Tomás
Brincar pendurada na cobertura que havia no quintal
O Datsun azul claro do meu avô
As calças com furinhos do cigarro que mantinha no canto da boca e do qual lá ía caindo a cinza.
Os apertos de mão especiais do meu avô, porque tinha 2 dedos dobrados
Para este avô era a Sofia
A minha avó e as suas gargalhadas de rir até chorar

Durante anos não tiveram telefone, muito menos telemóvel.
Só havia 1 canal, depois 2 e bem mais tarde TV a cores.
A vida tinha outro ritmo. Outro sabor.

Nada disto, ou quase nada ficou registado em fotografias. Mas enquanto me lembrar serão sempre os meus tesouros.

Tenho a sorte de ainda ter as minhas avós e de recordar com muito carinho o meu avô Berto e o meu avô Domingos.

E não fui a única a viajar no tempo hoje....

A I também viajou ao deitar.
Lembrou a Bisavó Jú, o Bisavô Berto.
Disse que gostava de ter conhecido mais bisavós...
Concluímos que é bom recordar, mesmo que tenham partido.
Acabamos por rir de memórias. É bom relembrar, ainda que seja com saudade....

E sentiu-se sortuda por ter 4 avós e 2 bisavós!
E já tem as suas próprias memórias e desta vez, mais fotografias a acompanhá-las!




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