quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Das tripas coração

Tenho saudades de mim.
De me ouvir rir com vontade.
De estar comigo.
De respirar fundo.
Do silêncio que vem de dentro e traz a paz com ele.
De pôr os pensamentos em dia ou de passar um dia sem pensar.
Até me fartar de mim.

Cansei-me de ver vir ao de cima o pior que há em mim, direcionado a quem merecia o melhor.
É como se constantemente fosse posta à prova mas não passe no teste...ou nem sequer tente fazê-lo.

Falho.Todos os dias.
Falho porque já não tento. Não com todas as forças.

Ouço conversas nas mesas do lado.
De outras vidas que passam ao lado da minha.
Vários assuntos ...mestrados, empregos, arborismo, relações, recordações de infância, tatuagens, receitas de saladas.... alguns palavrões à mistura...
Estas decorrem à sombra.
Ao sol, estão turistas a beber copos de vinho verde fresco e canecas de cerveja. Não os ouço.

Nunca estamos bem.... quando chove queremos sol.....mas procuramos a sombra quando ele chega.

Ouço-as rir nas brincadeiras na água.
Arrependo-me do meu cansaço, da minha falta de paciência, da irritabilidade na voz e no olhar.
Do que digo todos os dias e me satura ainda antes de abrir a boca...."Está quieta; Senta-te direita; Tira os dedos da boca; Fala mais baixo; Apanha as coisas do chão; Baixa o som da TV; Cala-te um bocadinho"...

Do pouco esforço para o dizer de outra forma, já que ficar calada não é ser mãe.
Imagino que elas também se cansem. Que percam a paciência. Que se irritem.
A primeira vez que ouvi um "chata!" quando virei costas, estremeci. Caiu-me o coração aos pés.
Em tempos ouvi que mãe que é verdadeiramente mãe é chata. Mas ser A chata custa.
Custa porque cansa. Seria mais fácil fingir que não vejo. Fingir que não oiço.
Mas aí sim, falharia.

É nesta bipolaridade que assenta uma mãe.
Respirar fundo por falta de paciência, para logo a seguir respirar fundo de culpa.
Precisar de espaço e logo a seguir de abraços apertados.
Num dia encher o fogão de amor em forma de tachos e panelas de sopa e noutro dia nem sequer querer cozinhar.
Talvez seja por fazer das tripas coração que há dias de não poder com uma gata pelo rabo.

São precisas tragédias fora de nós para pensarmos na sorte que temos.
No que tem valor. No que vale a pena ser dito. No tempo que voa e se perde.
Para que se instale a certeza que o todo esforço vale a pena.
Que o cansaço talvez seja bom sinal. Sinal desse esforço.

Para me lembrar que elas merecem sempre o melhor de mim. Ainda que tente e falhe.
Para não esquecer que eu também preciso do melhor de mim. Sem falhar.


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