quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Dias de hoje

O jantar ocupa 3 bicos do fogão.
Tocam à campainha enquanto corto legumes para o porquinho da Índia.
O N trouxe o recado de quem era.
 - "Há muitos anos que não ouvia isto", disse quando entrou na cozinha.
-  "O quê", perguntei?
- "São pobres a pedir".

Ele disse assim porque foi também assim que se anunciaram quando ele perguntou quem era.
"São pobres a pedir"

E a nossa casa cheirava a aconchego. A sopa acabada de fazer. A mesa posta.
E eu a cortar legumes para o porquinho da índia.
E a R a perguntar o que era o jantar....a dizer que não gostava lá muito daquele tipo de arroz...

Geralmente a campainha perto da hora de jantar é sinal de representantes das várias operadoras de telemóvel, e querem saber qual temos, quantos telemóveis há, quanto pagamos, se temos internet no pack e telefone fixo.
Já passou também a fase dos que tocavam para perguntar se acreditavamos no fim do Mundo e no seu Salvador...ou se queríamos ser sócios do Círculo de Leitores.

Não me lembro de alguma vez nesta casa terem tocado à campainha para pedir.
Não sei o que lhes disse o N. Talvez que agora não era boa altura.

Fiquei a pensar. Quem seria. Quantos. Podia ter dado comida. Roupa. Calçado. Cobertores.
Mas depois....Seriam honestos? Poderíamos abrir a porta e acreditar no "somos pobres a pedir" e nas boas intenções que desperta esta frase?
Estava muito frio lá fora.

Lembrei-me logo do conto que mais me impressionava em criança (logo a seguir ao desenho animado do Marco e do abandono da mãe que foi num barco para a Argentina)...a Menina dos fósforos.
Ainda hoje o acho demasiado triste, talvez por ser tão posível, por não conter o mundo imaginário das fadas e duendes ou animais que falam e principalmente porque não se transforma num final feliz no último instante. No conto original de Hans Christian Andersen, de 1845, ninguém convida a menina a entrar na casa iluminada, aquecida e com uma família em redor de uma mesa posta, que ela vê da rua.

Nestes dias, os de hoje, quantas meninas dos fósforos existirão por aí?


Hoje, enquanto reli este conto encontrei uma versão com este final, quase original, como lhe chamaram.

"Foi por isso que não viu dois braços energéticos, mas carinhosos, correrem na sua direção. Quando acordou, estava numa cama bem quentinha. Todos olhavam para ela com muito amor. Agora tinha uma nova família que a adotara. Naquele lar, o amor tinha acendido uma nova chama, que nunca mais se iria apagar"

Apeteceu-me acreditar que a história acaba assim. Esta e tantas outras.





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